Licitações e contratações públicas: 1 – Apesar de não existir na Lei 8.666/1993, expressamente, dispositivo que proíba a participação em certame licitatório de parentes da autoridade responsável pela homologação do procedimento, tal vedação pode ser extraída da interpretação axiológica do estatuto das licitações públicas
Representação levou ao conhecimento do TCU potenciais irregularidades ocorridas na aplicação de recursos oriundos do Contrato de Repasse nº 0141741-29/2002/SEDU/CAIXA, firmado entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e o município de Marataízes/ES, destinados à construção de 1.638 metros de rede coletora de esgoto. Dentre tais irregularidades, abordou-se, em função de sua gravidade, a contratação da empresa Square Construtora Ltda., de propriedade do sobrinho do então Prefeito, configurando possível conflito de interesse, em afronta ao art. 9º, caput, incisos I e III, e § 3º, da Lei nº 8.666, de 1993, além dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e isonomia, com indícios de direcionamento do certame. Para o ex-gestor municipal, a contratação de parente próximo não seria irregular, mesmo tendo sua conduta confrontada com os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade. Não se poderia deduzir, a partir do grau de parentesco, a violação dos princípios constitucionais, uma vez que a contratação teria sido fruto de procedimento licitatório regular. No entanto, entende o relator que “mesmo que a Lei nº 8.666, de 1993, não possua dispositivo vedando expressamente a participação de parentes em licitações em que o servidor público atue na condição de autoridade responsável pela homologação do certame, vê-se que foi essa a intenção axiológica do legislador ao estabelecer o art. 9º dessa Lei, em especial nos §§ 3º e 4º, vedando a prática de conflito de interesse nas licitações públicas...”. Por conseguinte, pela contratação da empresa do sobrinho e por outras irregularidades que propiciaram o direcionamento do certame, tais como a contratação da construtora do parente mediante convite em que apenas a empresa dele compareceu ao certame e a aceitação de “declaração” de auditor da previdência social, a informar que a Construtora Square não teria, ao tempo da licitação, débitos perante a previdência em lugar da necessária certidão negativa de débitos previdenciários, o relator votou por que se responsabilizasse o ex-prefeito e todos os demais participantes da contratação, sem prejuízo de que se aferisse, em processo apartado, o envolvimento do sobrinho do ex-prefeito nas irregularidades verificadas, para que, em momento oportuno, fosse declarada a inidoneidade da empresa de sua propriedade, caso restassem comprovados os indícios de tal envolvimento. O Plenário acolheu a proposição. Precedentes citados: Acórdãos 2.136/2006-1ª Câmara, 1785/2003-2ª Câmara, 778/2009, 1.170/2010 e 1.893/2010, do Plenário. Acórdão n.º 607/2011-Plenário, TC-002.128/2008-1, rel. Min-Subst. André Luís Carvalho, 16.03.2011.
Licitações e contratações públicas: 2 – Na apuração de irregularidades em processo licitatório deve ser aferida a participação dos agentes públicos envolvidos, de modo a se promover a adequada responsabilização pelos fatos danosos
Ainda na representação que levou ao conhecimento do TCU potenciais irregularidades ocorridas na aplicação de recursos oriundos do Contrato de Repasse nº 0141741-29/2002/SEDU/CAIXA, firmado entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e o município de Marataízes/ES, constou a ausência de justificativa para a inobservância do número mínimo de três propostas aptas à seleção, na licitação sob a modalidade convite (no 53/2005), impondo-se a repetição do ato, com a convocação de outras possíveis empresas interessadas, ressalvadas as hipóteses previstas no § 7º do art. 22 da Lei nº 8.666, de 1993. Na espécie, comparecera ao certame apenas uma empresa, de propriedade do sobrinho do então Prefeito. A unidade técnica, ao analisar essa irregularidade, fez juntar aos autos pesquisa no cadastro de pessoas jurídicas da Receita Federal que indicou a existência de 25 possíveis fornecedores em condições de atender à licitação em questão, no município de Marataízes ou em municípios vizinhos. Promovida a oitiva dos responsáveis, o ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação – (CPL) justificou-se apontando dificuldades para proceder ao convite das empresas, como: falta de servidores e de veículos, dificuldades de encontrar licitantes, muitas empresas seriam firmas individuais e falta de interesse dos potenciais participantes do certame. Já duas ex-integrantes da CPL, também ouvidas por esta irregularidade, informaram que, ao período dos fatos, teriam sido recém nomeadas para a função, sem receber devido treinamento, além de terem seguido as orientações do presidente da CPL, que era advogado. Alegaram, ainda, falta de clareza da Lei de Licitações a esse respeito, bem como a inaplicabilidade da Súmula TCU nº 248. Ao examinar o assunto, o relator enfatizou que, embora exista orientação jurisprudencial do TCU sobre o assunto, o tema não seria de fácil domínio junto à doutrina. Assim, mensurando a contribuição para a irregularidade em questão, concluiu ser a maior parte atribuível ao então presidente da CPL, pessoa qualificada para a função, conforme asseverado pelo próprio responsável, em suas justificativas. Já as demais integrantes da comissão teriam desempenhado papel secundário no transcurso do convite no 53/2005. Assim, para estas, a aplicação da penalidade proposta pela unidade técnica seria desproporcional. Diferente seria a situação de outra componente da CPL, que, ao tempo dos fatos, acumulava a função com a de a de assessora jurídica da Prefeitura. Por possuir possui formação jurídica, era de se esperar da responsável, na opinião do relator, “conduta diversa, consignando no processo que a não repetição do convite após o comparecimento de apenas uma licitante, sem a devida justificativa, contrariava a norma aplicável”. Por conseguinte, tendo em conta a participação de cada um dos ex-membros da comissão, votou o relator por que a irregularidade fosse atribuída ao ex-Presidente da CPL, à ex-integrante da comissão e assessora jurídica da prefeitura, que conduziram e instruíram esta fase da licitação, bem como ao ex-prefeito de Marataízes, que homologou o procedimento. O Plenário acolheu a proposição. Precedentes citados: Súmula/TCU 248, Acórdão n.º 607/2011-Plenário, TC-002.128/2008-1, rel. Min-Subst. André Luís Carvalho, 16.03.2011.
Decisão publicado no Informativo 54 do TCU - 2011
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